A influência das redes sociais sobre os veículos de comunicação já é um fato consolidado. No entanto, a forma como esses veículos se moldam ao ambiente digital continua em evolução. A migração da audiência da TV linear para plataformas como TikTok, Instagram e YouTube Shorts é evidente: 41% dos brasileiros compartilham notícias nas redes sociais (Reuters News Report, 2024) e 70% dos telespectadores usam o celular enquanto assistem à TV (CTV).
Diante desse novo cenário, os grandes portais de notícias e grupos de comunicação se tornaram dependentes dos algoritmos para garantir visibilidade e engajamento. Ter milhões de seguidores já não é suficiente - se o conteúdo não atender às exigências do algoritmo, pode ser entregue para pouquíssimas pessoas, até mesmo dentro da própria base de seguidores. A necessidade de viralizar, antes restrita a influenciadores, agora se tornou um mantra dentro das redações.
Os portais de notícias, mestres em captar a atenção do público desde os tempos das manchetes de jornal, sabem que, no digital, a regra é a mesma: prender o usuário nos primeiros segundos e gerar emoções fortes para incentivar o engajamento. Mas, nessa disputa, o jornalismo tradicional perde espaço para formatos mais ágeis, que se encaixam melhor na dinâmica das redes sociais. Vídeos longos e gravações em estúdio com enquadramento horizontal simplesmente não funcionam no feed.
Diante dessa realidade, os veículos de comunicação têm duas opções: (1) adaptar seus formatos para atender às demandas dos algoritmos ou (2) recorrer a conteúdos nativos gerados por usuários (UGC) - os vídeos virais.
A vantagem oculta dos veículos de comunicação
Pouca gente sabe, mas os portais de notícia têm um privilégio especial nas redes sociais quando o assunto é monetização. Plataformas como YouTube e TikTok possuem diretrizes rígidas que impedem a monetização de conteúdos reaproveitados. No entanto, no caso do jornalismo, essa regra não se aplica com a mesma rigidez. Isso significa que portais podem usar vídeos virais sem perder a monetização - uma vantagem que os criadores independentes não têm.
Essa brecha abriu um caminho valioso para os veículos, permitindo que incorporem vídeos virais em suas pautas sem precisar recorrer ao sensacionalismo. Com essa estratégia, conseguem engajamento sem depender exclusivamente de temas polêmicos.
Os algoritmos favorecem conteúdos que geram engajamento e os veículos de mídia sabem como aproveitar isso. Com a possibilidade de monetizar vídeos virais sem restrições rígidas, muitos portais adotam essa estratégia para ampliar seu alcance sem depender exclusivamente de polêmicas. Isso permite que atraiam audiência sem comprometer sua credibilidade, diferenciando-se de um modelo baseado apenas em cliques impulsivos.
Uma alternativa vem dos criadores de conteúdo independentes, especialmente no TikTok. A plataforma, antes dominada por dancinhas, se tornou um espaço para jornalistas, economistas e professores que aprenderam a traduzir informações complexas em vídeos curtos e virais. O sucesso desses criadores mostra que é possível equilibrar credibilidade e engajamento sem recorrer ao sensacionalismo.
Vídeos virais: o novo formato da publicidade
A atenção do público não pode mais ser comprada - precisa ser conquistada. Marcas e negócios já perceberam que o modelo tradicional de publicidade, com anúncios roteirizados e sem autenticidade, não funciona mais.
O que engaja hoje são conteúdos que se integram organicamente à experiência do usuário. Marcas que antes dependiam apenas da mídia tradicional agora investem na criação de conteúdos envolventes, patrocinam criadores, lançam desafios e exploram tendências para se conectar ao público de forma genuína.
Os veículos de comunicação também sentiram esse impacto. Antes, bastava oferecer grande alcance aos anunciantes; hoje, um influenciador do TikTok pode gerar milhões de visualizações sem depender de espaços publicitários tradicionais. Isso obrigou os portais a repensarem seu papel: não basta apenas distribuir conteúdos virais, é preciso saber falar a língua da internet.
O desafio agora não é só atrair audiência, mas gerar conexão real. O mercado já entendeu que alcance sem engajamento não gera resultado. Quem souber equilibrar credibilidade, criatividade e linguagem nativa sairá na frente. Em contrapartida, quem insistir em formatos engessados e publicidade invasiva corre o risco de se tornar irrelevante no fluxo infinito de informações.
O poder do conteúdo gerado por usuário
Hoje, qualquer pessoa com um smartphone pode se tornar um repórter acidental, mudando completamente a dinâmica da cobertura jornalística. Quando um avião caiu no bairro de Perdizes, em São Paulo, as primeiras imagens não vieram da Globo ou da Record, mas sim de um usuário no X (antigo Twitter) que estava indo para o trabalho e filmou a cena poucos segundos após o impacto.
Esse exemplo mostra como os veículos de comunicação que souberem aproveitar esse potencial poderão expandir seu alcance de forma exponencial. Um caso claro disso é o portal Metrópoles: desde que começou a usar vídeos da MyHood, em fevereiro de 2024, seu crescimento disparou.
Antes, o veículo ganhava cerca de 20 mil seguidores por mês. Agora, esse número ultrapassa os 200 mil mensais. Coincidência? Não, é estratégia.
Os vídeos virais não são apenas uma tendência passageira; eles redefiniram a forma como consumimos informação. O futuro da mídia não depende apenas da tecnologia, mas sim da capacidade dos veículos de falar a língua da internet de maneira autêntica, criativa e, acima de tudo, envolvente.
Felipe Salvatore é sócio-fundador da Myhood, startup especializada no licenciamento de vídeos virais e conteúdos gerados por usuários (user-generated content - UGC)